Poder, no sentido mais universal, é possibilidade de ação.
No sentido estrito que tem em política, é a possibilidade de determinar
as ações alheias.
No sentido universal, o homem só tem três poderes: gerar, destruir,
escolher. O primeiro é poder da riqueza, o segundo o poder da violência, o
terceiro o poder do espírito.
O poder da riqueza tem como objeto os bens materiais, usando os corpos
humanos e o espírito como meios e amoldando-se a eles como condições.
O poder da violência tem como objeto o corpo humano, usando a matéria e
o espírito como meios e amoldando-se a eles como condições.
O poder do espírito exerce-se sobre o próprio espírito, usando os bens
materiais e o corpo humano como meios e adaptando-se a eles como condições.
Cada poder exerce-se numa dupla direção: ativa e passiva. A direção
ativa tende à unidade, à concentração, à velocidade crescente. A direção
passiva tende à multiplicidade, à dispersão, à velocidade decrescente.
O poder ativo da riqueza reside nos donos do capital. Tende a concentrar
a riqueza nas mãos de poucos, ao monopolismo, a buscar os meios de crescer cada
vez mais rapidamente.
O poder passivo da riqueza reside nos trabalhadores. Tende a dividir a
riqueza, ao socialismo, ao crescimento zero.
O poder ativo da violência reside na milícia. Tende a concentrar-se, à
hierarquia vertical, à disciplina rígida, a instaurar a obediência automática
que produz a máxima eficiência e rapidez.
A milícia é o fundamento do poder estatal, que se reduz, em última
instância, à legitimidade do uso da violência.
O poder passivo da violência reside na justiça. Tende a dispersar-se, a
nivelar o poder, a tudo resolver por livre acordo, a desacelerar a ação.
O poder ativo das idéias reside nos criadores de bens culturais. Tende a
concentrar o poder, a submeter as ações de muitos às idéias de uns poucos, a
acelerar a mudança, a romper os hábitos estabelecidos.
O poder passivo das idéias reside nos homens de religião. Tende a
dispersar o poder, a nivelar o comportamento humano pela média dos valores
tradicionais, a anular as diferenças entre homens notáveis e homens comuns, a
estabilizar a ação social na rotina sacralizada.
Essa divisão compreende todas as castas: a casta sacerdotal divide-se em
intelectualidade e clero; a casta nobre divide-se em nobreza de espada e
nobreza de toga; a casta dos produtores divide-se em proprietários e
trabalhadores.
As castas são funcionais e não têm necessariamente ocupantes fixos: os
componentes da nobreza, destronados, podem compor uma casta capitalista ou uma
intelectualidade. O trabalhador, em ascensão, pode ingressar na
intelectualidade ou na nobreza. Massas inteiras podem ser deslocadas de uma
função a outra. As funções permanecem fixas, os ocupantes ou permanecem ou
mudam.
A chamada classe política não existe como unidade independente: é
somente uma interface entre nobreza de espada e nobreza de toga. É
aristocracia. Donde se conclui que a divisão dos três poderes, na teoria de
Locke e Montesquieu, é puramente normativa e não está fundada na natureza das
coisas. O poder executivo, em toda a crueza do seu poder absoluto, é a voz do
Imperador, do chefe dos exércitos. Em todos os casos e circunstâncias,
permanece distinto do judiciário, cuja existência é coextensiva com a de partes
em litígio e que não pode ser absorvido na unidade simples da voz de comando.
Isto é verdade mesmo quando as funções de chefe e juiz se unem numa só pessoa,
pois permanecem distintas como o comando emitido de motu proprio permanece
distinto da arbitragem entre partes. Não é concebível que o Executivo, como
tal, absorva em si o Judiciário, de vez que toda iniciativa do primeiro provém
dele mesmo, e a iniciativa de julgar só pode ter início após as demandas das
partes. A absorção do Legislativo no Executivo, ao contrário, é não só possível
como é fato, nos regimes totalitários, bem como é possível e fato, nos regimes
parlamentaristas, a redução do Executivo a um braço do Legislativo, que neste
caso é apenas um Executivo coletivo. Tudo isto mostra que poder militar e poder
judiciário são essencialmente distintos, enquanto a distinção de Executivo e
Legislativo é apenas um acidente determinado pela invenção humana.
As ideologias são expressões dos desejos das várias castas.
A estrutura de poder numa dada sociedade consiste na distribuição da
hegemonia entre os três poderes, complicada pela disputa de poder não só entre
os três poderes mas também no interior de cada uma das três castas.
Na revolução russa de 1917, a intelectualidade, apoiada nos
trabalhadores e na milícia, toma o poder, assumindo instantaneamente as funções
de nobreza e de clero. A nova nobreza, uma vez constituída, absorve as funções
da casta capitalista, o que pôde fazer com facilidade porque já estavam
parcialmente absorvidas pela nobreza do antigo regime, num capitalismo de
Estado. O marxismo surge como obra de cultura, mas, quando a intelectualidade
que o criou sobe ao poder e se transforma em clero, ele adquire a forma de
religião.
Nos Estados Unidos, uma poderosa classe capitalista governa com o apoio
do clero protestante, subjuga a nobreza, os trabalhadores e a intelectualidade.
A intelectualidade e os trabalhadores, com o auxílio da nobreza de toga,
contestam o poder. A intelectualidade, porém, conquista gradativamente o poder
graças à inventividade técnica e ao domínio das informações, à medida que o
capitalismo industrial cede lugar a um capitalismo de bens e serviços. Com a
engenharia social, o poder centraliza-se, a eficiência do comando é aumentada,
o Estado tende na direção socialdemocrática. Os capitalistas, sentindo-se
alijados do poder, aliam-se aos trabalhadores e à milícia numa reação
conservadora, dividindo a nobreza de toga.
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Olavo de Carvalho |
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